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Eleicoes em Cuiaba: Um aliado por R$ 400 mil

Um aliado por R$ 400 mil
Um vídeo mostra como a equipe do candidato do PR a prefeito de
Cuiabá comprou o apoio de um partido nanico

ANDREI MEIRELES E RODRIGO RANGEL

Não há eleição no Brasil sem que ocorrram denúncias, muitas vezes comprovadas, de compra de votos de eleitores por candidatos. O incomum é que as cenas de corrupção eleitoral se tornem públicas, a ponto de expor detalhes grotescos, como o cálculo do “valor de mercado” do voto. ÉPOCA teve acesso a quatro vídeos que mostram como assessores, empresários e políticos ligados ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, contrataram na semana passada o PRTB, um minúsculo partido de aluguel, para trocar de candidato no segundo turno da eleição para a prefeitura de Cuiabá. O pagamento seria em dinheiro e cargos no governo estadual. As fitas também mostram como dezenove candidatos a vereador que não se elegeram fixaram o preço de seu eleitorado, para dar apoio a Mauro Mendes (PR), um empresário lançado por Maggi para concorrer à prefeitura. Agindo como se estivessem numa feira vendendo um quilo de arroz ou uma penca de bananas, eles pedem uma quantia em dinheiro para cada voto que a legenda obteve na eleição para a Câmara municipal. A arrecadação seria rateada entre eles de acordo com a votação recebida por cada um.

O PRTB apoiara no primeiro turno a candidatura adversária, do prefeito Wilson Santos (PSDB). Mas decidiu mudar de lado no segundo. A negociação começou na manhã da quinta-feira, dia 8, na casa de Marcielo Curvo, suplente de vereador, num bairro de classe média baixa de Cuiabá. Ali, na área de serviço, a turma do PRTB pediu R$ 50 por cada um dos 30 mil votos recebidos. Isso lhes renderia cerca de R$1,5 milhão. Na sequência do vídeo, eles aparecem na sala da casa com o deputado federal Homero Pereira (PR) e o secretário estadual de Planejamento, Yenes Magalhães. Coube ao secretário-geral do PRTB, Pedro Moura, fazer a proposta aos compradores. Não houve acordo. Novo encontro foi marcado, desta vez com a participação do próprio candidato Mauro Mendes.

Outro vídeo, também gravado por um dos participantes, mostra como foi a reunião no escritório de uma das empresas de Mauro Mendes. Ela se deu em duas etapas. Na primeira, com a presença do candidato, parece um rotineira discussão política sobre o que fazer para vencer uma campanha eleitoral. Antes de sair, Mendes diz que cumpriria o que fosse acertado com o empresário Mauro Carvalho, coordenador de finanças da campanha. A partir daí, o clima mudou. No começo de maneira tímida, depois de modo escancarado, discutiu-se quanto o apoio valeria em dinheiro. Com a ajuda do deputado Homero Pereira e de outros aliados do governador Blairo Maggi, o tesoureiro Carvalho conseguiu aos pouco que os políticos do PRTB baixassem o valor do pedido. Um impasse ocorreu quando uns se recusavam a pagar mais de R$ 400 mil e os outros a receber menos de R$ 500 mil. O acordo foi fechado quando o deputado Homero prometeu dar mais R$ 20 mil “do próprio bolso”.

Na noite da última segunda-feira (13), como mostra mais um vídeo, a turma do PRTB se reuniu no escritório de advocacia de Pedro Moura. Lá, o anfitrião distribuiu envelopes com tíquetes para a compra de combustíveis e dinheiro. Depois fez um discurso pedindo empenho, porque sentiu desconfiança dos compradores quando foi receber o dinheiro. Todos tiveram que assinar recibos. Um dos presentes comenta que assinou sem conferir quanto havia dentro. Essa seria a primeira de três parcelas a ser quitadas antes das eleições.

A euforia contrasta com a preocupação dos participantes de ser flagrados com os envelopes pela polícia. Desconfiam de carros estacionados na vizinhança. Tinham razão. Os três principais líderes na negociação – entre eles, Pedro Moura e Marcionei Curvo – saíram juntos da reunião num jipe Pajero. Menos de 500 metros depois, foram parados por um carro com policiais civis que, a pretexto de uma suposta irregularidade na placa, revistaram o carro e encontraram os envelopes com dinheiro e material de propaganda da campanha de Mauro Mendes. Foram encaminhados à Polícia Federal, onde prestaram depoimento. O caso está na Justiça Federal.

Pedro Moura, secretário-geral do PRTB, na reunião com integrantes do partido: nos envelopes seria distribuída a primeira parcela do pagamento pelo apoio ao candidato do PR.

O candidato Mauro Mendes nega que tenha negociado propina em troca de apoio político. Ele recebeu ÉPOCA para uma conversa com os três candidatos derrotados a vereador presos na semana passada Ele acusa seu adversário, Wilson Santos (PSDB), de ter armado o flagrante e levanta suspeitas sobre a conduta da Polícia Civil de Mato Grosso. “Tenho certeza absoluta de que isso é armação”, afirmou a ÉPOCA na sexta-feira. “Os policiais disseram que estavam averiguando uma denúncia de carro roubado, mas quero ver onde está essa denúncia.” Na Pajero em que seguiam os três candidatos foram encontrados R$ 33,6 mil. Eles foram levados para uma delegacia e, depois, para a Polícia Federal. Os advogados do PR pediram a quebra do sigilo dos telefones dos policiais que fizeram o flagrante, para saber se eles foram orientados por representantes da campanha adversária.

Mendes disse que as referências a dinheiro nas reuniões com o PRTB dizem respeito ao pagamento de despesas de campanha. “Tem que pagar cabos eleitorais, carros de som, gasolina, e isso tudo será contabilizado”, diz ele. “Em minha campanha não tem caixa dois.” Os três ex-candidatos a vereador do PRTB dizem saber quem fez as gravações com uma câmara escondida. Para tentar escapar, confessam outro suposto crime: afirmam que, no primeiro turno, teriam recebido dinheiro “por fora” para apoiar o PSDB. Os tucanos negam.

ÉPOCA procurou o governador Blairo Maggi, no Palácio Paiaguás, sede do governo do Mato Grosso. Ele não quis falar. Em resposta a perguntas enviadas pela revista, sua assessoria disse que o governo não se manifestaria sobre o teor dos vídeos por se tratar de um “episódio restrito à esfera político-eleitoral”. Yênes Magalhães, que aparece numa das reuniões com o PRTB, é integrante do primeiro escalão do governo. Chefia a Secretaria de Planejamento. O governo diz que ele está licenciado, mas sua licença foi publicada no Diário Oficial na quarta-feira,
dois dias depois de o caso vir à tona com a prisão dos novos aliados. Outro homem de confiança de Maggi flagrado nos vídeos é Moisés Sachetti. Até abril, ele era um importante assessor de Maggi. O deputado Homero Pereira, que participa nas negociações, é aliado de Maggi e foi seu secretário da Agricultura. “Participei apenas de conversas políticas e não tratei de dinheiro”, afirma Pereira. E os R$ 20 mil do “próprio bolso”, como revela um dos vídeos? “Seria uma doação oficial”, afirma.

Fonte: Revista Época