Cuiabá comprou o apoio de um partido nanico
Não há eleição no Brasil sem que ocorrram denúncias, muitas vezes comprovadas, de compra de votos de eleitores por candidatos. O incomum é que as cenas de corrupção eleitoral se tornem públicas, a ponto de expor detalhes grotescos, como o cálculo do “valor de mercado” do voto. ÉPOCA teve acesso a quatro vídeos que mostram como assessores, empresários e políticos ligados ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, contrataram na semana passada o PRTB, um minúsculo partido de aluguel, para trocar de candidato no segundo turno da eleição para a prefeitura de Cuiabá. O pagamento seria em dinheiro e cargos no governo estadual. As fitas também mostram como dezenove candidatos a vereador que não se elegeram fixaram o preço de seu eleitorado, para dar apoio a Mauro Mendes (PR), um empresário lançado por Maggi para concorrer à prefeitura. Agindo como se estivessem numa feira vendendo um quilo de arroz ou uma penca de bananas, eles pedem uma quantia em dinheiro para cada voto que a legenda obteve na eleição para a Câmara municipal. A arrecadação seria rateada entre eles de acordo com a votação recebida por cada um.
O PRTB apoiara no primeiro turno a candidatura adversária, do prefeito Wilson Santos (PSDB). Mas decidiu mudar de lado no segundo. A negociação começou na manhã da quinta-feira, dia 8, na casa de Marcielo Curvo, suplente de vereador, num bairro de classe média baixa de Cuiabá. Ali, na área de serviço, a turma do PRTB pediu R$ 50 por cada um dos 30 mil votos recebidos. Isso lhes renderia cerca de R$1,5 milhão. Na sequência do vídeo, eles aparecem na sala da casa com o deputado federal Homero Pereira (PR) e o secretário estadual de Planejamento, Yenes Magalhães. Coube ao secretário-geral do PRTB, Pedro Moura, fazer a proposta aos compradores. Não houve acordo. Novo encontro foi marcado, desta vez com a participação do próprio candidato Mauro Mendes.
Outro vídeo, também gravado por um dos participantes, mostra como foi a reunião no escritório de uma das empresas de Mauro Mendes. Ela se deu em duas etapas. Na primeira, com a presença do candidato, parece um rotineira discussão política sobre o que fazer para vencer uma campanha eleitoral. Antes de sair, Mendes diz que cumpriria o que fosse acertado com o empresário Mauro Carvalho, coordenador de finanças da campanha. A partir daí, o clima mudou. No começo de maneira tímida, depois de modo escancarado, discutiu-se quanto o apoio valeria em dinheiro. Com a ajuda do deputado Homero Pereira e de outros aliados do governador Blairo Maggi, o tesoureiro Carvalho conseguiu aos pouco que os políticos do PRTB baixassem o valor do pedido. Um impasse ocorreu quando uns se recusavam a pagar mais de R$ 400 mil e os outros a receber menos de R$ 500 mil. O acordo foi fechado quando o deputado Homero prometeu dar mais R$ 20 mil “do próprio bolso”.
Na noite da última segunda-feira (13), como mostra mais um vídeo, a turma do PRTB se reuniu no escritório de advocacia de Pedro Moura. Lá, o anfitrião distribuiu envelopes com tíquetes para a compra de combustíveis e dinheiro. Depois fez um discurso pedindo empenho, porque sentiu desconfiança dos compradores quando foi receber o dinheiro. Todos tiveram que assinar recibos. Um dos presentes comenta que assinou sem conferir quanto havia dentro. Essa seria a primeira de três parcelas a ser quitadas antes das eleições.
A euforia contrasta com a preocupação dos participantes de ser flagrados com os envelopes pela polícia. Desconfiam de carros estacionados na vizinhança. Tinham razão. Os três principais líderes na negociação – entre eles, Pedro Moura e Marcionei Curvo – saíram juntos da reunião num jipe Pajero. Menos de 500 metros depois, foram parados por um carro com policiais civis que, a pretexto de uma suposta irregularidade na placa, revistaram o carro e encontraram os envelopes com dinheiro e material de propaganda da campanha de Mauro Mendes. Foram encaminhados à Polícia Federal, onde prestaram depoimento. O caso está na Justiça Federal.
Pedro Moura, secretário-geral do PRTB, na reunião com integrantes do partido: nos envelopes seria distribuída a primeira parcela do pagamento pelo apoio ao candidato do PR.O candidato Mauro Mendes nega que tenha negociado propina em troca de apoio político. Ele recebeu ÉPOCA para uma conversa com os três candidatos derrotados a vereador presos na semana passada Ele acusa seu adversário, Wilson Santos (PSDB), de ter armado o flagrante e levanta suspeitas sobre a conduta da Polícia Civil de Mato Grosso. “Tenho certeza absoluta de que isso é armação”, afirmou a ÉPOCA na sexta-feira. “Os policiais disseram que estavam averiguando uma denúncia de carro roubado, mas quero ver onde está essa denúncia.” Na Pajero em que seguiam os três candidatos foram encontrados R$ 33,6 mil. Eles foram levados para uma delegacia e, depois, para a Polícia Federal. Os advogados do PR pediram a quebra do sigilo dos telefones dos policiais que fizeram o flagrante, para saber se eles foram orientados por representantes da campanha adversária.
Mendes disse que as referências a dinheiro nas reuniões com o PRTB dizem respeito ao pagamento de despesas de campanha. “Tem que pagar cabos eleitorais, carros de som, gasolina, e isso tudo será contabilizado”, diz ele. “Em minha campanha não tem caixa dois.” Os três ex-candidatos a vereador do PRTB dizem saber quem fez as gravações com uma câmara escondida. Para tentar escapar, confessam outro suposto crime: afirmam que, no primeiro turno, teriam recebido dinheiro “por fora” para apoiar o PSDB. Os tucanos negam.
ÉPOCA procurou o governador Blairo Maggi, no Palácio Paiaguás, sede do governo do Mato Grosso. Ele não quis falar. Em resposta a perguntas enviadas pela revista, sua assessoria disse que o governo não se manifestaria sobre o teor dos vídeos por se tratar de um “episódio restrito à esfera político-eleitoral”. Yênes Magalhães, que aparece numa das reuniões com o PRTB, é integrante do primeiro escalão do governo. Chefia a Secretaria de Planejamento. O governo diz que ele está licenciado, mas sua licença foi publicada no Diário Oficial na quarta-feira,
dois dias depois de o caso vir à tona com a prisão dos novos aliados. Outro homem de confiança de Maggi flagrado nos vídeos é Moisés Sachetti. Até abril, ele era um importante assessor de Maggi. O deputado Homero Pereira, que participa nas negociações, é aliado de Maggi e foi seu secretário da Agricultura. “Participei apenas de conversas políticas e não tratei de dinheiro”, afirma Pereira. E os R$ 20 mil do “próprio bolso”, como revela um dos vídeos? “Seria uma doação oficial”, afirma.Fonte: Revista Época